quarta-feira, 19 de junho de 2013

O boêmio



Eu olhava as madrugadas
E havia as tuas luzes
Eras o incêndio dos corpos das prostitutas
Eras as brasas dos tantos cigarros
Que vagalumeavam sinistras
Eras lâmpadas de mercúrio
Estrelando o céu de meus subúrbios

Então, num desespero nada tímido
Tornei-me boêmio
Largado e bêbado
Febril de sentimentos
Para ter esse direito
De escrever sobre o nosso amor.

Angelo Augusto Paula do Nascimento


sexta-feira, 7 de junho de 2013

As doces ilusões da televisão


“Lembra, que o primeiro toque deu choque.”
(Dinda)

A vida é cansativa: é com essa frase que termino minha sexta-feira. Dias penosos de fim de semestre, tripla jornada para quem é professor e ainda atua atendendo pacientes. Alguém diria que a hora de fazer isso é agora, que estou jovem, construindo uma vida, e até concordo, mas hoje me permito ser diferente, me dou a liberdade de me sentir de maneira pouco usual. Não posso ser todo locomotiva, vida a frente, o tempo inteiro.
Hoje chego, tudo escuro, silêncio preenchendo os vazios por toda casa, salvo a alegria de minhas cadelas que insistem em me denotar importância. Frequentemente diria isso em poesia, mas hoje pouco cabe em versos, me arriscando em distinta prosa, cuja inabilidade fica visível. Hoje não adestro palavras, elas correm soltas pelos meus braços, minha cabeça, atravessam o coração com uma urgente necessidade de me dizer. Chegam a formigar no meu abdome, na minha língua, que se mostra inútil. Não há plateia, não há para quem falar da aula boa ou estressada, das situações que trabalhar na saúde me abatem. Hoje vejo-me inundado de tantas humanidades, que percebo-me frágil.

Silente, olho os dedos
Soltos, sem encontro
As horas que comem meus encantos
A tristeza dos argumentos incompreendidos
E as doces ilusões da televisão.

[Acabo voltando aos versos...]


Angelo Augusto Paula do Nascimento


sábado, 1 de junho de 2013

Dois dedos de prosa sobre ser feliz ou ter razão


            Há algum tempo, vem circulando nas redes sociais a pergunta “você quer ser feliz ou ter razão?”.  De tanto ler isso, fui procurar saber sua origem, quem escreveu sete palavras que tocaram tantas pessoas, e acabei por descobrir que trata-se de uma historieta contada por Ana Maria Braga, em seu programa, que reza sobre uma esposa que cede à insistência errônea de seu marido em percorrer um caminho, enquanto dirige. Entre a rua à esquerda, que ela indica, ele insiste que é à direita. Mediante a aparente irritação do marido, ela se cala, deixa ele escolher o caminho e, ao constatar seu erro, o marido questiona a esposa sobre ela não ter insistido, já que a mesma estava correta. Dizendo perceber a iminência de uma discussão e a possível perda da noite, ela responde que prefere ser feliz a ter razão.
Há realmente uma fórmula para um relacionamento dar certo? Por favor, se algum desavisado ler isso, gentileza postar a receita. Livre-se da ideia egoísta de ganhar dinheiro com esse segredo e partilhe conosco. Estamos desesperados por dias tranquilos junto à pessoa amada. A humanidade clama por essa caridade!
Lance: uma galera adora uma leitura de autoajuda, estórias que têm, por trás de suas linhas (bem por trás mesmo!), uma lição, uma reflexão, um estalar que dispare a autoconsciência de um comportamento danoso. Será que precisamos de histórias para nos enxergamos como protagonistas de nossas próprias vidas? Essa é minha pergunta.
Olhar para si deveria ser rotina. Somos cheios de respostas para os problemas alheios, somos os melhores técnicos de futebol para escalar a seleção brasileira que perdeu o jogo; somos os novelistas do perfeito final das tramas televisivas; somos o herói vencedor do Big Brother Brasil que injustamente não foi escolhido para entrar na casa e que tem plenas as qualidades comportamentais para lidar com todos e vencer o programa; somos o amigo, que se fosse o namorado daquela menina, faríamos isso ou aquilo e não deixaríamos ela sambar no nosso coração. Somos mesmo?
Há alguns anos, descobri que somente amor não é suficiente para sustentar uma relação. Me desculpem os românticos (lá vêm as pedras!), mas um relacionamento requer um conjunto de atitudes, incluindo o respeito e a admiração, que são o lastro sobre qual se ergue o amor. “E quem ama não respeita?” (Sabia que você ia perguntar isso!) Não necessariamente... Por vezes o amor é imaturo, urgente, possessivo, inconsequente, incompreensivo nas limitações do outro (reconheceu-se em algum deles?). Não há amor sem a aceitação do todo, das partes boas e ruins do próximo. “E quem ama não aceita o outro como ele é?” (sabia que você ia perguntar isso também!) Lembre-se que a gente sempre tem aquele quê de insatisfação sobre o outro, que desaba cheio de “se”: se ele ou ela fosse mais carinhoso ou carinhosa (daqui por diante, adapte os gêneros), se ele fosse menos cachorro, se ele não bebesse tanto, se não desse tanto mole geral, se fosse menos teimoso, se, se, se, se, se... (Se reconheceu novamente?). O fato é que, se seu pai tivesse nascido mulher, você teria duas mães!
Mas voltando ao que me trouxe a esse post, confesso que a primeira vez que me deparei com tal citação, até fiquei tocado, porém de tanto lê-la (de maneira forçosa, por tanta gente postar), eu tenho uma interpretação diferente. Você pode indagar se há outra, senão a moral de quanto desgaste que existe em mostrar, esbravejar, defender a posição de detentor da razão, e eu respondo que há,  pelo menos, uma versão menos fabulosa da situação e mais próxima da realidade, quiçá até mais humorada, pois às vezes a gente tem que rir para não chorar. Acho que ela já estava cansada de discutir com o marido cabeça-dura e deixou ele quebrar a cara, para poder ser feliz: rindo da cara dele.
Bom humor à parte, fica a ponderação sobre essa passagem: ceder sempre também não é uma boa estratégia. Declinar da razão de forma excessiva pode ser igualmente danoso e trazer uma constante posição de passividade e submissão. Infelizmente, na prática, os amores não são tão românticos e torna-se necessária uma criticidade por sobre a temática. Eu mesmo conheço muitas pessoas que preferiram, por muito tempo, serem felizes a terem razão e, pasmem, cansaram de ser felizes...
Como dizem nas redes sociais: #ficaadica.

Angelo Augusto Paula


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